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MÃOS E DEDOS: TÉCNICA, SAÚDE E SUCESSO PARA O CLARINETISTA

Postado por Anônimo on 18 de julho de 2010 | 7/18/2010

Resumo:
Este artigo tem como finalidade demonstrar a importância da ergonomia para a execução da clarineta. Disserta sobre os bons hábitos do músico-instrumentista para seu sucesso profissional e para a prevenção de doenças relacionadas ao ato da execução de um instrumento musical. Enfatiza as necessidades ergonômicas do instrumento para o aluno iniciante e correlaciona, ainda, a postura adequada dos braços e mãos do instrumentista como condição para o desenvolvimento técnico satisfatório do músico.
Palavras-chave: Clarineta; Posição das mãos; Ergonomia; Técnica: saúde.

Introdução
O estudo inicial da clarineta contempla variadas preocupações de professores dentre os quais embocadura e respiração talvez sejam as mais lembradas. Ao estudante iniciante, deve-se priorizar, sim, toda a técnica básica da clarineta. Porém, existe uma série de problemas físicos decorrentes da despreocupação, de alguns professores, no que diz respeito a outros aspectos técnicos da clarineta e que poderão causar problemas de ordem médica, a médio e longo prazos.

Muito pouco é dito sobre esta área [posição das mãos] nos tratados sobre a clarineta e manuais dos iniciantes. [...] O professor deve ser tão preocupado com a posição das mãos quanto é com a formação da embocadura. Uma perfeita posição das mãos irá melhorar, tremendamente, a afinação e a técnica. (WARNICK, 1992, p. 165-167)

Não é recente o relato de deformações e outras patologias médicas decorrente da má formação técnica incluindo-se aspectos físico-posturais dos músicos. Entre os instrumentos de sopro, podem-se destacar deforma-ções labiais nos instrumentistas de bocal, dores de cabeça nos oboístas, deformações de coluna e dores no pescoço nos saxofonistas e, nos clarinetistas, além de problemas relacionados à embocadura, dores nos braços, punhos e dedos, decorrentes, a primeira vista, do peso do instrumento. Segundo Thrasher; Chesky (1998) em suas pesquisas,

Todos os problemas [médicos] com clarinetistas estão relacionados com a embocadura e com o polegar da mão direita. [...] 52% [dos clarinetistas consultados]informaram problemas relacionados com o polegar ou o pulso da mão direita. (p. 24-27)

Durante a carreira como músico de orquestra e como professor, não foi difícil verificar, em colegas e alunos, patologias relacionadas com o esforço físico necessário para a execução musical. Na orquestra, onde os músicos são requeridos a atuar num ritmo de ensaio mínimo de três horas diárias, pode-se perceber que alguns clarinetistas são obrigados a usar proteções nos dentes, em função de dor labial imposta pelo esforço demasiado da embocadura1 ou, ainda, de posicionar o instrumento, erroneamente, sobre os joelhos, em decorrência de dores e da fadiga do braço, antebraço, punho e polegar direitos. Efeitos similares podem ser observados em atletas. É interessante notar que, o clarinetista, assim como o atleta, não sente tanta dor durante a performance, mas sim, após (WILSON, 2001, p. 39-41). “Ambas [as atividades, a do músico e a do atleta] envolvem um treinamento muscular, que inclui longas horas diárias de prática visando, em geral, uma apresentação pública onde o músico ou atleta deverá demonstrar habilidade e eficiência” (ANDRADE; FONSECA, 2000, p. 120). Com o passar do tempo, a doença pode evoluir para um caso constante e crônico de dor e deformações no polegar, que poderão, em última instância, incapacitar o músico à execução da clarineta. Segundo a experiência docente do autor, a reclamação mais comum dos alunos de clarineta é referente a dores labiais e no polegar direito, este último devido à incapacidade física de sustentar o instrumento,o que acaba desestimulando e dificultando aos alunos o aprendizado da clarineta. Esses aspectos são agravados, quando o aluno tem idade igual ou inferior a doze anos e não apresenta preparo ou porte físico para a sustentação do peso do instrumento. Não se pode deixar de lado a informação de que “os músicos constituem um dos principais grupos de risco de adoecimento ocupacional” (COSTA, 2005). Isto foi enfatizado, também, por Andrade; Fonseca (2000) no que se refere aos instrumentistas de corda, listando diversos músicos profissionais que paralisaram sua atividade por força da LER (lesão por esforço repetitivo). Relatos recentes sobre pesquisas na área de anato-fisiologia relativa aos músicos em geral, dão conta da necessidade do alongamento e fortalecimento muscular para a atividade do músico. Estas pesquisas demonstram que os músicos “cada vez mais procuram soluções, para minimizar problemas oriundos do uso inadequado do corpo no exercício de sua profissão [...]” (RAY; ANDREOLA, 2005, p. 22). Pelo que se pode avaliar, a inclusão do alongamento na rotina do músico encerra apenas uma mudança de hábito, que poderá trazer inúmeros benefícios, dentre eles “o aumento da flexibilidade de seus movimentos” (RAY; ANDREOLA, 2005, p. 25). A escolha de instrumento adequado à condição física e ao nível técnico do musico é outro fator que pode contribuir para a prevenção dos problemas aqui levantados.

As fábricas de instrumentos, de uns anos para cá, têm investido em pesquisa, na intenção de adaptar seus instrumentos às necessidades do mercado – tanto profissional quanto de estudantes. Em conseqüência disso, já há novos materiais sintéticos para a substituição da madeira na confecção da clarineta. Houve um avanço significativo na sua construção acústica (principalmente nos instrumentos feitos a mão), porém as fábricas ainda estão muito mais interessadas no mercado profissional, deixando em segundo plano o importante segmento de instrumentos para estudantes, responsável por toda a vida futura do clarinetista. É fundamental que o aluno iniciante tenha um instrumento que o auxilie no aprendizado: facilitando não somente a emissão do som e a execução musical, mas também na ergonomia do instrumento em relação ao corpo do aluno. Nem sempre
o instrumento de madeira é o mais indicado para o aluno iniciante. Há alguns casos em que o instrumento de material sintético (plástico ou “ebonite”), por ser mais leve, facilitará que o aluno suporte o peso do instrumento sem maiores problemas (Silveira, 1998). Há, ainda, a possibilidade do uso de um “cordão” que, assim como no saxofone, o auxilie a suportar o peso do instrumento, pelo menos nos primeiros anos de estudo. Nesse raciocínio, o presente artigo tem como finalidade elucidar alguns dos problemas relacionados à posição da mão direita do clarinetista, responsável pelo esforço da sustentação do peso do instrumento, explanar sobre o posicionamento dos dedos, na clarineta, para uma melhor digita-ção e, ainda, asseverar que “a prevenção [das lesões musculares] deve fazer parte da rotina” de todo músico (PEDERIVA, 2004, p. 57).

2. O problema

Segundo Pino (1980), é patente o extremo esforço imposto ao polegar direito durante a performance musical do clarinetista, o que é agravado, sobremaneira, por uma posição não natural da mão, do punho, do movimento altamente repetitivo dos dedos da mão e do pouco planejamento ergonômico do instrumento em relação ao corpo do clarinetista. Logo, o cansaço físico e o stress mecânico dos tendões estão diretamente ligados a uma boa ou má postura durante a execução musical (CHESKY; KONDRASKE; RUBIN, 2000). As conseqüências de uma má postura não serão sentidas apenas no braço direito, mas serão irradiadas, talvez em menores proporções, para todo o lado direito do corpo. Segundo Thrasher; Chesky (1998):

Os problemas musculares informados do lado direito do corpo podem ser associados com a rotina do esforço associada ao pulso do braço direito. Aproximadamente 40% dos clarinetistas informaram problemas nesta área. Quando mão direita e dedos foram indicados como lugar de problemas, pôde-se detectar o pulso direito como área problemática mais que outros lugares. Isto corrobora com estudos anteriores sobre o caso. (p. 24-27)

Ainda segundo Pino (1980), a clarineta sempre foi construída para que a mão humana se adaptasse fácil e rapidamente a ela. Porém, após este estudo, constata-se que esta afirmativa não é de todo verdadeira. Pode-se observar, hoje, que muitos dos fabricantes de instrumento têm trocado o suporte fixo do polegar direito pelo suporte ‘regulável’ nos seus instrumentos da linha ‘profissional’. Isso, com certeza, teve como objetivo permitir um maior conforto e ergonomia na sustentação do instrumento. O peso do instrumento, motivação maior da preocupação em relação ao posicionamento do seu suporte, tem sido, sistematicamente, reduzido através da retirada dos anéis metálicos de proteção do instrumento, localizados na campana (pavilhão), no barrilhete e no corpo inferior da clarineta. Mesmo com o suporte regulável, em alguns casos, é impossível posicioná-lo para a melhor posição da mão, dado que, nesses casos, o suporte é fixado no instrumento em uma posição muito baixa.

Observando-se, atenciosamente, a posição natural da mão humana, pode-se constatar que o polegar se encontra ligeiramente acima do posicionamento do dedo indicador (Figura 1). Isso permite a conclusão de que esta é a posição na qual a mão se encontra na sua posição mais relaxada.

Figura 1: Posição natural da mão direita.

Analisando-se, por exemplo, o ponto de fixação do suporte de sustentação de uma clarineta da marca Buffet Crampom, modelo “R13” e modelo “RC”2 – instrumento padrão, usado por boa parte dos profissionais no mundo inteiro (Figura 2), é de simples percepção que, dada a sua fixação, o polegar é forçado a posicionar-se muito abaixo do dedo indicador.
Isso faz com que o polegar obrigue a sustentar o instrumento em uma posição completamente desfavorável, isto é, muito abaixo da linha do dedo indicador.

Figura 2: Posicionamento do suporte em clarineta Buffet “RC” com suporte fixo. Note-se a posição do primeiro anel muito acima da posição do suporte do polegar.

Claramente a execução da clarineta envolve forças sobre o polegar direito para sua sustentação, muitos movimentos repetitivos dos dedos e uma postura não natural do polegar e pulso direitos. (CHESKY; KONDRASKE; RUBIN, 2000, p. 34-36).

Ora, se é de fácil percepção que o suporte se encontra em posição desfavorável, por que não corrigir isso? Mencionando a atitude das fábricas de instrumento, realmente, não se consegue textualizar um motivo, forte o suficiente, para que se continue com esse erro.
A troca de posição é fácil e não gera gastos. Porém, prefere-se apostar na conscientização dos professores, profissionais e alunos, dado que, mesmo que a fábrica posicione erroneamente o suporte, é fácil, rápido e barato o seu posicionamento correto, executado por um técnico em conserto de instrumentos musicais
(Figura 3).

Figura 3: Correto posicionamento do suporte. Note-se o posicionamento do suporte na mesma altura do posicionamento do primeiro anel do corpo inferior. (Na foto uma clarineta marca “Selmer” modelo “Signature”).

Em contato mantido com Domingos Sávio Carvalho (CARVALHO, 2001), um dos mais qualificados e requisitados técnicos em manutenção de clarinetas do Brasil, este informa que a mudança de posição do suporte da clarineta é um serviço que demora, em média, dez minutos. Tal mudança não causa nenhum dano, estrutural ou estético, ao instrumento e custa, em média, menos de cinco dólares. Isto proporciona uma “boa configuração [...] [do instrumento] que é essencial para evitar sobrecargas posturais e fadiga [...]” (COSTA, 2005, p. 55).

Há, ainda, aqueles que defendem o uso contínuo do ‘cordão’ de sustentação para retirar, do polegar direito, boa parte do peso do instrumento (THRASHER; CHESKY, 1998; WILSON, 1990). Haveria a fixação definitiva de um anel para a conexão desse cordão. Esse procedimento resolveria, sim, o problema. Porém, essa radicalização só seria necessária, caso houvesse uma indicação médica para um problema que o instrumentista já possuísse ou, ainda, seria indicado para um aluno iniciante que não apresentasse condições de desenvolvimento físico para a sustentação do instrumento. Caso contrário, o correto posicionamento do suporte seria suficiente para terminar e/ou prevenir o problema. Para alguns clarinetistas o uso do cordão incomodaria a movimentação da mão esquerda.

Além das particularidades físicas relativas à saúde do clarinetista, o correto posicionamento do suporte do polegar da mão direita trará, sem dúvida, facilidades à digitação do instrumento. O fato de o suporte estar posicionado, mais ou menos, na mesma altura do primeiro anel do corpo inferior, colocando o polegar no mesmo patamar do indicador e, conseqüentemente, proporcionando a correta postura dos dedos, da mão e do braço direitos, facilitará os movimentos dos dedos, assim como diminuirá a fadiga física imposta ao pulso e braço direitos diminuindo, também, a possibilidade da LER.
O posicionamento correto do polegar é o segredo da posição correta do restante dos dedos. Logo, o correto posicionamento do polegar (leia-se, também, dos polegares) fará com que todos os outros dedos encontrem seu correto posicionamento, contribuindo para melhorias na afinação e na técnica do instrumentista (WARNICK, 1992).

Além dos polegares, outro par de dedos de suma importância para o correto posicionamento das mãos são os mínimos. Assim como o polegar, os dedos mínimos servem para regular a posição de todos os outros dedos.
Formam, os dedos mínimos com os polegares, os pilares de posicionamento das mãos, pois servem de referência para que os outros dedos encontrem, mais facilmente, o posicionamento junto aos seus buracos e chaves de ação. Sendo assim, se o dedo indicador da mão direita tiver necessidade de acionar alguma das chaves laterais da clarineta, e se o mínimo se encontrar sob a chave do fá grave (chave 3 - fá/dó), posicionamento correto para esse dedo, o indicador terá maior facilidade de, após acionar as chaves laterais, voltar a sua posição correta (Figura 4). Segundo Warnick (1992), deve-se evitar que o dedo mínimo seja posicionado atrás do instrumento, “solto no ar” ou descansando no corpo do instrumento. Posicionando-se daquela maneira, será mais fácil que a mão adquira uma postura relaxada e curva, ideal para a execução da clarineta (EISLER, 1992). Alem disso, o correto posicionamento do dedo mínimo da mão esquerda, sob a chave do mi grave (chave 1), trará as mesmas facilidades apresentadas anteriormente, ressaltando-se que, quando do uso das chaves 8 e 9 (sol# e lá “de garganta”) pelo indicador da mão esquerda, todo o conjunto de dedos da mão esquerda terá maior facilidade para voltar para seus buracos de ação3.

Figura 4: Correta posição das mãos e dedos.

Importante destacar que, os alunos adquirem vícios de digitação durante os anos de estudo que, se não corrigidos, poderão acompanhá-lo durante toda a sua vida profissional. Tais vícios, além de não contribuírem em nada para a boa digitação do instrumento, prejudicam a afinação, proporcionam uma tendência maior à ocorrência de sons indesejáveis (i.e. guinchos), além de afetar, em alguns casos, a estética do performer. É comum, por exemplo, que os alunos só fechem os buracos da clarineta, no mesmo momento em que começam a soprar no instrumento facilitando a ocorrência de guinchos. Também é comum que, em uma nota longa (normalmente nas posições entre o “mi” da primeira linha e o “si bemol” da terceira linha, e no dó e si agudos) o instrumentista abra completamente a mão, posicionando os dedos muito longe de seus buracos e chaves de ação ou repousando na madeira do instrumento. Além de anti-estético, tal fato pode prejudicar a afinação de determinadas notas e a agilidade do instrumentista.

Conclusões

O posicionamento das mãos e dos dedos, como foi visto, é de extrema importância para o desenvolvimento do aluno, sua saúde, para a manutenção diária da técnica e para o sucesso profissional do clarinetista.

Foram vistos diferentes aspectos positivos que podem ser conseguidos por meio de uma fixação adequada do suporte do polegar da mão direita:
a manutenção da saúde e a agilidade técnica foram os mais destacados.
Indicou-se a necessidade da atenção, por parte dos professores, para a correta posição das mãos e dedos, já que a prevenção dos males decorrentes de uma má postura não é tão difundida. “Um ensino preventivo que possibilite ao aluno apropriar-se dos conhecimentos obtidos em campos como a ergonomia pode contribuir efetivamente para a manutenção de sua saúde [...]” (COSTA, 2005, p. 61). Destacou-se também que os aspectos da performance ligados ao uso do corpo são tão importantes quanto
quaisquer outros fundamentos do ensino do instrumento, no caso, a clarineta.
Espera-se que as sugestões e as reflexões aqui apresentadas sirvam
de inspiração para clarinetistas que estejam dispostos a considerar simples
atitudes e mudanças de hábitos que poderão melhorar a qualidade de
sua vida profissional4.

Notas

1
O uso contínuo de proteções labiais só é recomendado a instrumentistas que possuam uma arcada dentária cujos dentes apresentem acentuado desnível ou/e estejam sob um regime severo de trabalho. O uso contínuo de proteções poderá estar relacionado a uma pressão exagerada do maxilar e deverá ser corrigida.

2
Refere-se aos modelos mais antigos que possuem suporte fixo. Os modelos fabricados a
partir de 2001 possuem suporte regulável. Porém, o seu posicionamento não permite que a regulagem seja corretamente feita.

3
Importante destacar que, nos alunos iniciantes, o fato de o dedo mínimo posicionar-se sob a chave 1 dificulta a emissão de “guinchos” provocados pelo vazamento de ar, prevenindo o incorreto posicionamento do dedo anelar que não conseguiria tapar, satisfatoriamente, o seu respectivo buraco de ação.

4
O autor agradece a colaboração no envio de material literário pelo Professor David
Niethamer, Clarinetista Solista da Orquestra Sinfônica de Richmond, EUA, ao Professor Elione Alves de Medeiros (UNIRIO), autor das fotos publicadas neste artigo e ao Professor Cristiano Alves (UFRJ), pelo empréstimo da Clarineta Buffet Crampon “RC” usada na figura 2 deste artigo.
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