As seis cordas - celebradas por inúmeros escritores, poetas e pintores do Ocidente; herdeiras de uma grande tradição européia que remonta aos alaúdes da Renascença e às “guitarras” do Barroco; e, mais recentemente, companheiras de incontáveis bluesmen famosos ou anônimos da América do Norte - não poderiam faltar no jazz. A importância do violão e/ou da guitarra no jazz explica-se, em parte, porque esse instrumento está situado numa posição peculiar dentro do espectro sonoro: trata-se de um intermediário entre os instrumentos puramente melódicos - como os sopros e os metais - e os instrumentos harmônicos - como, por exemplo, o piano - os quais, embora possam solar, geralmente são usados para fornecer a base para os solos. Essa posição intermediária permite à guitarra transitar entre solo e acompanhamento com naturalidade.
É comum distinguir duas eras da guitarra no jazz: antes e depois de Charlie Christian. Antes de Christian, a guitarra era meramente um instrumento acompanhador, no sentido estrito do termo: marcava o ritmo, da maneira mais simples possível, e expunha a harmonia para o canto. Embora fosse um instrumento tradicional, vindo do blues, não se achava, musicalmente falando, no mesmo plano que o piano, por exemplo. O professor de Christian, Eddie Durham, inventou a guitarra amplificada, que Christian adotou em 1937. No período de 1939 até 1941, tocando com Benny Goodman, e fazendo jam sessions com os futuros beboppers, Christian revolucionou a guitarra jazzística e estabeleceu um padrão que os guitarristas das décadas seguintes se esforçariam para atingir. Embora vindo do swing, viveu exatamente na transição para o tórrido estilo gestado no “Minton’s” e que transformaria o jazz. A sua morte, em 1942, com tuberculose, interrompeu uma evolução que prometia ainda maiores inovações.
Outro guitarrista dos anos 30, solista por excelência, e que misteriosamente parece não ter absorvido quase nenhuma influência, é Django Reinhardt (falecido em 1953, aos 43 anos). Muito querido e admirado até hoje por todos os guitarristas, homenageado numa composição do Modern Jazz Quartet (“Django”), ele tinha, no entanto, um estilo demasiado pessoal, desvinculado da evolução geral do jazz, e não gerou tantos seguidores diretos quanto Christian. Também se deve notar que a técnica desenvolvida por Christian era mais adequada à guitarra elétrica do que a de Django, oriundo do violão acústico e que aderiu ao som elétrico apenas tardiamente.
Todos os guitarristas posteriores a Charlie Christian foram influenciados por ele. Entre os maiores, podemos mencionar, dos anos 40, Tiny Grimes (que tocou no trio de Art Tatum) e, dos anos 50 em diante, Kenny Burrell (oriundo do bebop), Jimmy Raney, Barney Kessel, Billy Bauer (associado ao cool e ao West Coast), Herb Ellis (que tocou no trio de Oscar Peterson) e Charlie Byrd (admirador da música brasileira). Aparecendo um pouco mais tarde, temos o grande Joe Pass (também parceiro freqüente de Oscar Peterson), Jim Hall e o virtuose Wes Montgomery (que flertou com o pop).
A guitarra participou da evolução do jazz, ao longo do swing, do cool e do bebop, às vezes desempenhando um papel musicalmente muito relevante, porém raramente na condição de solista e líder. A passagem da guitarra para o primeiro plano absoluto se deu com o advento do jazz-rock, mais especialmente da fusion, e com o surgimento do mito Jimi Hendrix no rock. Vemos então firmarem-se virtuoses como John McLaughlin (provavelmente o maior guitarrista dessa fase), Larry Coryell, George Benson (sucessor de Wes Montgomery, na técnica e no tipo de repertório) e Pat Metheny (que atirou em diversas direções, além da fusion: folk, free e mainstream).
A valorização da guitarra nos anos 70 e 80, no contexto do rock e do jazz-rock, pode ter beneficiado indiretamente também os virtuoses mais clássicos, como Joe Pass, Hall, Byrd, Kessel e outros, que finalmente passaram a receber a atenção merecida. Também voltou a haver espaço para os violonistas acústicos, como Ralph Towner.
A técnica da guitarra no jazz varia: o mais das vezes ela é tocada com palheta, o que limita sua capacidade polifônica; ela fica reduzida a um instrumento melódico e ocasionalmente harmônico. Alguns grandes virtuoses (como Joe Pass) tocam com os dedos, à maneira do violão clássico, conseguindo assim tecer um verdadeiro tecido polifônico, com vozes simultâneas. Recentemente, Stanley Jordan se tornou famoso com uma técnica que amplia o potencial polifônico, dedilhando o braço do instrumento com as duas mãos, como num teclado de piano; o som é emitido apenas pelo choque dos dedos contra as cordas. Assim, desaparece a limitação de ser obrigado a construir a polifonia no braço do instrumento usando apenas a mão esquerda; o guitarrista passa a ser capaz de executar baixo, harmonia e melodia simultaneamente (sem a necessidade de overdubbing).
A constituição física do instrumento também varia. Ele pode ter o corpo maciço, como na célebre Fender Stratocaster e suas descendentes (algumas de design bastante bizarro), onde o sinal elétrico é gerado diretamente pelo movimento da corda metálica dentro do campo magnético do captadores. Ou pode ter o corpo oco, como na igualmente célebre Gibson ES-5 e suas derivadas, acrescentando às vibrações diretas da corda também um complexo padrão de realimentação acústica e vibração por simpatia, que altera os modos de vibração recebidos pelo captador, e portanto o timbre resultante. Em geral, as guitarras semi-acústicas são deixadas sem distorção, com o timbre mais puro, e são preferidas pelos guitarristas de jazz mais tradicionais, enquanto que as maciças têm a preferência dos guitarristas de fusion, que lhes conectam uma variedade de distorcedores, efeitos e pedais.
(V.A. Bezerra, 2001)
É comum distinguir duas eras da guitarra no jazz: antes e depois de Charlie Christian. Antes de Christian, a guitarra era meramente um instrumento acompanhador, no sentido estrito do termo: marcava o ritmo, da maneira mais simples possível, e expunha a harmonia para o canto. Embora fosse um instrumento tradicional, vindo do blues, não se achava, musicalmente falando, no mesmo plano que o piano, por exemplo. O professor de Christian, Eddie Durham, inventou a guitarra amplificada, que Christian adotou em 1937. No período de 1939 até 1941, tocando com Benny Goodman, e fazendo jam sessions com os futuros beboppers, Christian revolucionou a guitarra jazzística e estabeleceu um padrão que os guitarristas das décadas seguintes se esforçariam para atingir. Embora vindo do swing, viveu exatamente na transição para o tórrido estilo gestado no “Minton’s” e que transformaria o jazz. A sua morte, em 1942, com tuberculose, interrompeu uma evolução que prometia ainda maiores inovações.
Outro guitarrista dos anos 30, solista por excelência, e que misteriosamente parece não ter absorvido quase nenhuma influência, é Django Reinhardt (falecido em 1953, aos 43 anos). Muito querido e admirado até hoje por todos os guitarristas, homenageado numa composição do Modern Jazz Quartet (“Django”), ele tinha, no entanto, um estilo demasiado pessoal, desvinculado da evolução geral do jazz, e não gerou tantos seguidores diretos quanto Christian. Também se deve notar que a técnica desenvolvida por Christian era mais adequada à guitarra elétrica do que a de Django, oriundo do violão acústico e que aderiu ao som elétrico apenas tardiamente.
Todos os guitarristas posteriores a Charlie Christian foram influenciados por ele. Entre os maiores, podemos mencionar, dos anos 40, Tiny Grimes (que tocou no trio de Art Tatum) e, dos anos 50 em diante, Kenny Burrell (oriundo do bebop), Jimmy Raney, Barney Kessel, Billy Bauer (associado ao cool e ao West Coast), Herb Ellis (que tocou no trio de Oscar Peterson) e Charlie Byrd (admirador da música brasileira). Aparecendo um pouco mais tarde, temos o grande Joe Pass (também parceiro freqüente de Oscar Peterson), Jim Hall e o virtuose Wes Montgomery (que flertou com o pop).
A guitarra participou da evolução do jazz, ao longo do swing, do cool e do bebop, às vezes desempenhando um papel musicalmente muito relevante, porém raramente na condição de solista e líder. A passagem da guitarra para o primeiro plano absoluto se deu com o advento do jazz-rock, mais especialmente da fusion, e com o surgimento do mito Jimi Hendrix no rock. Vemos então firmarem-se virtuoses como John McLaughlin (provavelmente o maior guitarrista dessa fase), Larry Coryell, George Benson (sucessor de Wes Montgomery, na técnica e no tipo de repertório) e Pat Metheny (que atirou em diversas direções, além da fusion: folk, free e mainstream).
A valorização da guitarra nos anos 70 e 80, no contexto do rock e do jazz-rock, pode ter beneficiado indiretamente também os virtuoses mais clássicos, como Joe Pass, Hall, Byrd, Kessel e outros, que finalmente passaram a receber a atenção merecida. Também voltou a haver espaço para os violonistas acústicos, como Ralph Towner.
A técnica da guitarra no jazz varia: o mais das vezes ela é tocada com palheta, o que limita sua capacidade polifônica; ela fica reduzida a um instrumento melódico e ocasionalmente harmônico. Alguns grandes virtuoses (como Joe Pass) tocam com os dedos, à maneira do violão clássico, conseguindo assim tecer um verdadeiro tecido polifônico, com vozes simultâneas. Recentemente, Stanley Jordan se tornou famoso com uma técnica que amplia o potencial polifônico, dedilhando o braço do instrumento com as duas mãos, como num teclado de piano; o som é emitido apenas pelo choque dos dedos contra as cordas. Assim, desaparece a limitação de ser obrigado a construir a polifonia no braço do instrumento usando apenas a mão esquerda; o guitarrista passa a ser capaz de executar baixo, harmonia e melodia simultaneamente (sem a necessidade de overdubbing).
A constituição física do instrumento também varia. Ele pode ter o corpo maciço, como na célebre Fender Stratocaster e suas descendentes (algumas de design bastante bizarro), onde o sinal elétrico é gerado diretamente pelo movimento da corda metálica dentro do campo magnético do captadores. Ou pode ter o corpo oco, como na igualmente célebre Gibson ES-5 e suas derivadas, acrescentando às vibrações diretas da corda também um complexo padrão de realimentação acústica e vibração por simpatia, que altera os modos de vibração recebidos pelo captador, e portanto o timbre resultante. Em geral, as guitarras semi-acústicas são deixadas sem distorção, com o timbre mais puro, e são preferidas pelos guitarristas de jazz mais tradicionais, enquanto que as maciças têm a preferência dos guitarristas de fusion, que lhes conectam uma variedade de distorcedores, efeitos e pedais.
(V.A. Bezerra, 2001)
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